quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

DOIS DOCUMENTOS
PARA A HISTÓRIA DE CASTELO DE VIDE
divulgados pelo Cónego Bonifácio Bernardo


Igreja de S. João (Baptista) de Castelo de Vide: (19.06.1514)

Em Abril de 1999, encontrei uma folha solta entre os documentos do Cabido da Sé de Portalegre, do tempo de D. Pedro Vaz Gavião, e que a seguir transcrevo, por linha, ressalvando eventuais deficiências de leitura, dada a dificuldade da grafia (Incluo pontuação por mim):

1 “Joham rroiz, prior de sam martynho, vjg(air)o em a comarqa
2 daquem tejo, do bj(s)pado da gu(ar)da, por ho mujto rr(everen)do em Xr(ist)o
3 padre s(enh)or dom p(edr)o, p(or) merce de d(eo)s e da santa egreja
4 de rroma b(is)po b(is)po da mesma, prjor de santa Cruz,
5 do conselho del rrej nosso s(e)n(h)or e seu capellão mor:
6 A q(ua)ntos esta mjnha carta de vjsjtaçam for mostrada
7 saude em Jehsus Xr(ist)o nosso s(e)n(h)or: Faço saber que, vjsjtan-
8 do eu a egreja de sam joham da vjlla de castello da-
9 vjde, em p(e)soa do capellam e dallgu(n)s fregueses
10 esto he o que mandej fazer na dita egreja por serviço de d(eo)s
11 e bem e honra da dita egreja: achej que ho prjor
12 nom pos a casa como lhe foy mandado p(or) o b(is)po. Man-
13 do que a ponha ate fim de Jan(ei)ro, sob pena de
14 500 r(ei)s p(ar)a a se (= Sé) e vjg(air)o e o ey por condenado nas penas. E
15 mando aos fregueses que façam da ponta da
16 escada de d(iog)o a(fons)o da parte de baixo hum fecho
17 q(ue) chegue aos degraos emtulhado e abaixo llogo
18 out(r)o e out(r)o arryba da porta do emtulho com call-
19 çada; q(ue) fique com o tavollejro ate ffim deste t(erm)o
20 sob pena de 5.000 rr(ei)s p(ar)a se e vjg(air)o; mando aos fre-
21 gueses q(ue) façam as portas da travesa do norte
22 ate natall sob pena de 3 mil rr(ei)s p(ar)a a se e vjg(air)o. Mando
23 aos ditos fregueses q(ue) acabem de allegear
24 a egreja ate natall sob pena de 2 mil rr(ei)s p(ar)a o vjg(air)o.
25 Mando ao capellam que pubrjq(u)e esta carta
26 aos fregueses a oferta e ponha esta carta
27 em caderno com as houtras sob pena de
28 escumunhão e guarde e cu(m)pra as constituições
29 do s(enh)or bispo dante em a villa de cas-
30 tello davide, sob o meu synall e sello
31 do dito s(enh)or q(ue) ante my(m) anda. XIX
32 dias de junho fernam rroiz escrivam
33 a fez de mjll e qujnhentos e quatorze
34 annos. ff. yoham
35 rroiz “


No verso, consta, à esquerda do selo assinado: “sam jº” . Por cima do mesmo selo: “pg ao sello XXX r(ei)s”; e por baixo do mesmo: “ao escrivam XXIIII r(ei)s


Comentário pessoal:

1. Julgo tratar-se do acabamento da igreja de S. João Baptista de Castelo de Vide; pelos seguintes indícios: 1º a menção dos fechos, pelo menos três; a colocação das portas na travessa norte; a calçada; a colocação do tabuleiro da igreja até Janeiro de 1515; acabem de lajear a igreja; o entulho. Se assim for, então esta igreja é construída logo no início do século XVI (1514).
2. Quem visita? O vigário, i. é. o arcipreste de (?), João Rodrigues.
3. Quem redige a acta durante a visita: Fernando Rodrigues.
4. Em que data: 19 de Junho de 1514.
5. D. Pedro. Trata-se de D. Pedro Vaz Gavião, sucessor de D. Álvaro de Chaves, no bispado da Guarda. Era capelão–mor de D. Manuel I, que o nomeara para aquele cargo, nos finais de 1496. Alexandre VI confirma a sua nomeação no início de 1497. Tomou posse do bispado em 14 de Maio de 1497.
Celebrou sínodo na Guarda, pois que em 12 de Maio de 1500 encontrava-se nesta cidade, durante o qual foram aprovadas as suas segundas constituições, depois impressas, sendo já bispo da Guarda D. Jorge de Melo. Em 1507 foi nomeado por D. Manuel I Prior de Santa Cruz de Coimbra, sendo confirmado pelo Papa Júlio II.
Incrementou as obras da Sé da Guarda, no que gastou enormes quantias. Mandou realizar obras no dito mosteiro de santa Cruz: túmulos de D. Afonso Henriques e de D. Sancho I, na capela mor. Morreu neste mosteiro em 13 de Agosto de 1516.
A maior parte do tempo residiu na corte e no mosteiro onde faleceu.


Do maço 10, nº 1, folhas 27-28, arquivo do Cabido PTG, transcrevo:

“Posse de hum Benefficio de santa Maria da devêza de Castelo de Vide [1]

Auto da posse que foi dada ao padre / Pedro allvares do benefficio da igreja / de samta Maria da devesa da villa de / Castello davide que ficou por falle- / cimento do padre andre pires que delle / foi ulltimo posuidor /

Ano do nacimemto de nosso Senhor Jesus / Xpo de mill e quinhemtos e oitemta / e sete annos aos vimte e hum dias do mês / de Agosto em há villa de Castello / davide demtro na igreja de samta Maria da / devessa em a capella mor da dita igreja / estamdo presemtes os padres frey dioguo dias / vigairo da igreja de São João da dita villa e / vigairo da vara e manoell llopes e o Licenciado / João nogueiro benefficiado na dita igreja / e antonjo llopes que serve na dita igreja / o benefficio de João roiz e martim Vaz / e outros muitos padres de missa e andre allvares / meirinho do ecclesiastico na dita villa / e estamdo todos asi jumtos peramte elles pare- / ci eu notairo imfra nomeado e o reverendo padre / pedro allvares secretario do muito illustre / senhor bispo deste bispado e lloguo por / elle dito padre pedro allvares foi dito a mjm / notairo e aos ditos padres que ho muito illustre / senhor dom Amador araiz bispo deste / bispado lhe fizera ora mercê de o afaser (?) //

Fª 27v
de o assemtar e comfirmar no benefficio / que ficou ora por fallecimemto do padre andre / pires furtado benefficiado que foi na dita igreja / de samta Maria por o dito benefficio ser de sua / apresemtação e comfirmação como comsta- / ria da carta de comfirmação e apresemtação / e collação que lloguo ahi apresemtou que / me requeria a mjm notairo que comforme / a ella lhe desse a posse do dito benefficio na / dita igreja que ---apo (?) fiquara do dito andre pires / que delle foi ulltimo posuidor e lloguo / eu notairo tomej em minhas mãos a dita car- / ta de comfirmação e apresemtação do dito senhor / bispo e em allta voz a llj aos ditos padres / abaixo asinados e elles diserão que não tinhão / duvjda de lhe ser dada a dita posse a quall / posse lhe eu dej pella manejra seguimte / § ho llevej ao alltar mor e lhe vesti hua / sobrepellis e lhe metj na mão callices / e missais e chaves da dita igreja e sobio / ao choro e se semtou em hua cadeira / e lleo em hu brevjario e cerou as portas / da dita igreja e abrjo e paseou pella / dita igreja pacifficamemte e tomou / em suas mãos terra e pedra e pao da / dita igreja que lhe eu notairo emtreguej / e por fazerem os padres da igreja hu / officio de defumtos elle dito padre //

Fª 28
pedro allvares se assemtou com elles a camtar / ho dito officio de defumtos e dise hua / llição de defumtos camtada e llevou / parte da offerta que se offereceo no dito / officio e por esta maneira eu notairo lhe dej / a dita posse do dito benefficio reall e au- / tuall e ficou comtinnuando a posse / do dito benefficio e esto todo sem comttra- / dição de pessoa allgua e hos ditos / padres muito comtemtes e allegres lhe / derão todos o por o bem e diserão que erão / comtemtes de com elle dito padre servirem / e lhe darem toda a parte que lhe couber / comforme a seu benefficio e com todo / lhe dej e o ouve por dada a dita posse / da sobredita maneira e todos asinarão / os atrás nomeados como testemunhas manoell sea / sea notairo apostollico o fiz e / me pedio estromento de posse e eu lho / dej.

frey Dioguo Dias
+ +
L(icencia)do joanes nugueiro Anntº Lopes

manoell martim
lopez vaz


Amdre allvares




[1] Grafia do Cónego António Fernandes da Costa.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

UM COMÉRCIO MORIBUNDO

Moro a trinta quilómetros de Lisboa. Nas minhas (poucas) passagens pelos centros comerciais que nascem como tortulhos em redor da capital portuguesa, é frequente encontrar portalegrenses em passeio de compras, entrando e saindo das lojas que povoam esses espaços de transacção. Acontece verificar o mesmo sempre que me desloco às cidades espanholas da Extremadura. Com razão ou sem ela, todo e qualquer lagóia que se preze e tenha dinheiro no bolso (ou pense tê-lo) parece preferir sair da sua cidade e região para gastar o ordenado que por lá ganhou. Podem trazer para o seu dia-a-dia os mesmos artigos que mais facilmente comprariam nas ruas de Portalegre, mas comprar fora tem outro estatuto, alimenta os comentários no emprego e as conversas na pastelaria.
Pensando a partir desta constatação, comecei a entender o que levou ao ar acabrunhado das ruas de comércio existentes na cidade onde nasci mas não fui criado. Quem se disponha a dar um passeio desde o início da rua de Santo André até ao Corro – subindo a rua Direita, passando pelo arco da Devesa e ascendendo pela rua do Comércio com passagem pela da Carreira e entrada na praça pelas portas de Alegrete – depara-se com um cenário entristecedor e deprimente. Lojas (até há poucos anos florescentes) estão fechadas e, a seu lado, outras ostentam o anúncio de trespasse – declaração verbal de estado comatoso que ombreia com idêntica afirmação não-verbal daqueles espaços comerciais onde os empregados ou os proprietários têm um olhar vazio, ou virado para o vazio, perante a ausência dos clientes. Há comerciantes que lutam pela modernização das suas casas, mas nada parece dar resultado. Outros desistem ou persistem na preguiça, deixando os estabelecimentos no exacto estado em que estavam há trinta-quarenta-cinquenta anos.
Vejam-se os cafés… Neste momento poucos conseguem beber uma bica e ler o jornal no Rossio – onde antes coexistiam o Facha, o Plátano e a Cadislegre; aí pouco mais salta à vista do que as lojas de quinquilharia chinesa. O Central já teve melhores dias. O Alentejano lá vai sobrevivendo com vetusta dignidade (até quando?). Tente o leitor, que não conheça bem Portalegre, beber um café na cidade velha na tarde dum domingo soalheiro… Acabará por desistir e rumar até Castelo de Vide, onde menos habitantes dão mais vida a uma vila com coluna vertebral. E a praça? A praça, apesar de todos os arranjos cuidadosos, tem quartas e sábados que são uma mísera sombra do movimento comercial de há poucos anos…
Ao lado do mamarracho mastodôntico que ofende a discrição abnegada dos doadores de sangue de Portalegre, o quadro humano no interior dos hipermercados (quatro? cinco? seis?...) é mais povoado. A irresponsabilidade (ou os interesses) das várias gestões autárquicas dos últimos anos não hesitou sangrar os comerciantes cujas pequenas empresas davam vida à cidade alta. Essa estratégia está a custar e custará muito caro a Portalegre e aos seus moradores. Porque uma cidade a que não estancam uma hemorragia grave acaba por definhar (ou morrer) enquanto espaço económico e cívico vivo.

A ARQUITECTURA E O SEU USO

Confesso que me entusiasmo sempre que vejo ser construído na minha cidade de nascimento (Portalegre) um edifício com qualidade arquitectónica evidente – ou quando uma obra restitui vida a edifícios ou estruturas históricas, até aí moribundos.
Assim aconteceu com as recuperações do convento de Santa Clara e da igreja de São Francisco, com a devolução à sua dignidade jesuítica da igreja de São Sebastião, com a adaptação do palácio da rua da Figueira, com o restauro das muralhas e do castelo, com a construção da igreja de Santo António nos Assentos. Gostaria até que recebessem o mesmo tratamento outros edifícios que bem o mereciam: as igrejas de Santa Maria a Grande (anexa ao convento dos Agostinhos) e do Espírito Santo, a torre do Atalaião, o Palácio Amarelo, etc..
Enquanto sinto este verdadeiro entusiasmo, não deixo no entanto de tropeçar nas circunstâncias e nas consequências da sua construção. Há casos exemplares, no bom sentido do adjectivo. Ao saber, contudo, que nos edifícios a arquitectura (a “paisagem”) não se pode separar do seu uso (o “povoamento”), há factos que roem no pensamento como areias numa sandália, chegando a ferir a alegria de assistirmos à edificação. Posso citar alguns casos:
Não é por se instalar num edifício exemplar (e possuir um fundo bibliográfico riquíssimo) que a Biblioteca Municipal de Portalegre deixa de realizar eventos que envergonhariam qualquer pequena aldeia e maculam o bom nome de uma cidade que parece ainda prezar esse título.
Não é por ter sido recuperada com grande rigor que a igreja de Santa Clara deixa de estar oculta pelas encenações de uma companhia de teatro, por obra e graça de uma gestão municipal pouco cuidadosa, que não pensou nas consequências para o usufruto do monumento da instalação naquele espaço de uma actividade incompatível com a total dignidade do património construído (quando haveria outros espaços melhor adaptados para o efeito).
A igreja dos Jesuítas é agora um dos melhores auditórios de Portalegre – o que não impede que, por vezes, lá se realizem acontecimentos pouco adaptados à dignidade do espaço.
Há na cidade do norte alentejano um castelo bem recuperado, mas serve pouco para recordar a história do monumento e da urbe em que foi construído e demasiado para actividades comerciais. Não havendo incompatibilidade, o equilíbrio deveria ser outro.
São quatro exemplos que, ao correr do teclado, me ocorreram. Outros poderiam surgir. Estes servem para ilustrar uma realidade que, infelizmente, corrói boa parte do boa imagem da cidade. Esperemos que o futuro traga práticas mais conscientes a espaços marcantes, como a igreja dos franciscanos e a Fábrica Robinson. Sabemos bem o quanto pesam na gestão dos espaços públicos de uma cidade as pressões exercidas por clientelas que, geralmente, se preocupam mais com os seus objectivos particulares ou pessoais (quantas vezes poucos éticos) do que com o enriquecimento cultural de uma comunidade e com a dignidade dos edifícios históricos e/ou monumentais. Portalegre também tem bons exemplos cívicos. Só podemos desejar uma influência positiva destes sobre quanto não atingiu ainda os patamares desejáveis da exigência e de uma verdadeira elevação cultural e ética.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009



João Filipe Bugalho
(texto e pintura)


FRONTEIRA E MEMÓRIA



Sever, fronteira da minha memória.
Rio que separa e une duas margens.
Eterno contrabandista.
Tranquilo, bravo, solitário, na paisagem dura de xisto, quase deshabitada.
Rio que seca e deixa apenas pegos onde se retempera e refresca a bicharada.
Sombras sadias de amieiros e choupos, seixos soltos, margens tranquilas.
Memórias das tardes quentes que refrescávamos com uma talhada de melancia, sob o laranja intenso do antepôr do sol.






Com pó e suor na pele mas uma sensação quente de bem estar, sensual, inesquecível.
Ainda hoje revisitada.
Como o canto apelativo dos abelharucos, voando por cima.
Luz do fim da tarde que foi abrazadora,luz inseparável dos sons vagos dos chocalhos de um rebanho quase perdido na distância.
Bravura agreste do rio, correndo no próprio leito de pedra, por si talhada.
Silêncio estival, apenas rasgado pelo vôo azul do guarda-rios,
de onde em quando pontuado pelo triste e escasso piar da cotovia.
Peso do calor que nos faz buscar a quietude e o silêncio na protecção da sombra.
Que acalma.
Mas que nos fórça a contemplar.
A sentirmo-nos ínfimos na imensidão do espaço.
Serras distantes, onde se espraiam laivos laranja-azulados de poentes que fazem ressaltar os brancos casarios.
Austeros. Às vezes sós, sombrios.
Mas que, uma vez dentro, se nos revelam e nos acolhem.
Que nos desvendam, nos recantos e nos pátios, os seus mais antigos e íntimos segredos. Até mesmo as suas gentes.
Envoltos em planuras infindas, cortadas por escassas rectas de muros,
intermináveis...Vagamente cobertas de restolho amarelecido, queimado pelo Sol.
Ou alqueives, de pó vermelho e sêco, tingindo o horizonte.
Com danças de sobreiros sobre a paisagem.
Ou linhas e linhas de colinas sedentas, como corpos de mulher.
Céus sempre diferentes, carregados de imagens ditadas por nuvens,
imparáveis,
brancas, sépias, às vezes cinzento-chumbo quase negras,
de ameaçadoras trovoadas.
Além dos infinitos espaços, apenas a ímpar, indescritível, solidão da azinheira.
Cujo tronco, revelando a cicatriz do tempo, é a própria resistência.







A vida.
Sever memória, fronteira, esperança.
Sever, de contrabando e de partida.



O texto fez parte do catálogo da exposição de 30 telas, inspiradas em “paisagens comuns de ambos os lados do Sever”, apresentada no Museo Provincial de Cáceres em 23 de Novembro de 2007.

Vista parcial da aldeia de Carreiras (Portalegre)

no olhar de José Almeida.




Festa de São João

no Reguengo (Portalegre).

Estas e outras fotografias de Bruno Calha

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