quinta-feira, 27 de setembro de 2007


A IGREJA DE SANTA MARIA A GRANDE (Portalegre)
Nos primeiros anos do século XIV (quando o bispo da Guarda visitou as paróquias de Portalegre) é provável que a igreja de Santa Maria a Grande não fosse já um edifício recente. Doada em 1299 por D. Dinis aos Templários, é possível que existisse pelo menos em meados do século XIII, sendo - com Santa Maria Madalena - um dos edifícios mais antigos da vila que, nessa altura, se autonomizou do concelho de Marvão, criado em 1226. Em 1321 era um dos seus templos mais importantes, taxado com 150 libras, quantia só ultrapassada por Santa Maria do Castelo, com mais 10 libras.
Não se conhece, por agora, qualquer documento medieval que nos dê indicações precisas sobre a arquitectura desta igreja nessa época. Acreditamos, no entanto, que não terá sofrido alterações substanciais até inícios do século XVI, o que nos permite afirmar que a descrição que chegou aos nossos dias, datada de 1509, deverá corresponder em traços gerais à estrutura de Santa Maria a Grande na Idade Média, embora tenha sofrido, como é normal, alterações na decoração, sobretudo no interior.
Os documentos emanados da visitação efectuada em 19 e 20 de Dezembro de 1509 pela Ordem de Cristo a este templo portalegrense e à sua comenda são, a vários títulos, valiosos. Para a História da Arte é sobretudo preciosa a descrição da igreja que os olhos de frei Diogo do Rego (visitador) e as palavras de frei Francisco (escrivão) nos ofereceram, tantos os pormenores que nos permitem a construção de uma imagem concreta de Santa Maria a Grande.
O edifício era substancialmente diferente da estrutura que hoje podemos ainda observar no lado sul do largo de Santo Agostinho (o que sobrou da igreja reconstruída na segunda metade do século XVIII, profanada após a extinção das ordens religiosas).
A fachada da igreja de Santa Maria a Grande estava virada a poente, tendo na parte cimeira um campanário com dois sinos e uma campainha. Integralmente rebocada e caiada, possuía sobre a porta principal um alpendre ou galilé.
O interior era de uma só nave, tendo as paredes laterais "guarneçidas e pinçelladas", com abundante decoração em pintura mural, representando "muitas Jmageens". Sobre a entrada, sustentado por um "arco grande De pedraria", erguia-se o coro "com seu peitoril laurado De maçonaria", sob o qual se situava a pia baptismal.
A capela-mor estava virada a nascente e certamente quase encostada às muralhas. Era "oitauada", "grande e larga", tendo as paredes rebocadas e pintadas por dentro e por fora. No interior possuía um altar "moçiço com quatro de graaos de pedraria" e, sobre ele, um retábulo "nouo" (provavelmente constituído por várias pinturas), com seu guarda-pó de maçonaria "pintado com Jmagens", tendo ao centro a imagem de Santa Maria: "de vulto grande & fermosa [...] com o filho no collo". À altura da visitação a igreja não possuía ainda sacrário, pelo que são dadas ordens ao comendador e beneficiados (a quem cabia a manutenção da ousia) para que aí pusessem um "boom sacrario junto Do altar moor".
A entrada neste espaço fazia-se por um "arco grande e bem obrado", o qual tinha na parte cimeira uma pintura mural com a representação de Cristo crucificado, ladeado por Nossa Senhora e São João Evangelista. Possuía ainda dois altares colaterais "nos cantos Do Dicto arco", dedicados a São Miguel e a Nossa Senhora da Conceição, sem qualquer escultura, mas com imagens "pintadas na parede". Tudo coberto por um "guardapoo de castanho".
Junto do presbitério, à direita, situava-se a sacristia.


Atendendo ao pedido de D. João III, em 21 de Agosto de 1549 foi criada a diocese de Portalegre. Sendo necessário escolher uma catedral, foi seleccionada a igreja de Sta. Maria do Castelo, em cuja proximidade foi elevada a nova sé. Tendo em vista o engrandecimento da sua freguesia, são-lhe anexadas em 1552 as paróquias de S. Vicente e de Sta. Maria a Grande. São Vicente foi demolida pouco tempo depois. Santa Maria passou a funcionar como sede do Cabido a partir de 1556.
A extinção desta freguesia não foi bem recebida pelos seus habitantes, embora a actividade paroquial só tenha cessado em 1585.Poucos anos depois, em 18 de Fevereiro de 1605, D. Diogo Correia e o Cabido decidem doar Sta. Maria a Grande à Companhia de Jesus, tendo em vista o estabelecimento de um colégio dedicado ao ensino. Aí permaneceram até 1673, ano em que vão fundar o novo edifício junto da ermida de São Sebastião, que lhes fora doada em 1635.Em 1 de Fevereiro de 1673, o regente D. Pedro, com autorização de D. Ricardo Russel e da Câmara da cidade, doa a igreja aos Ermitas Agostinhos Descalços para aí fundarem o seu convento. Dois anos depois os religiosos quiseram sair da cidade e erigir a sua casa junto da ermida da Senhora da Penha. Chegaram a construir aí alguns edifícios, mas a sua decisão foi contrariada pelas autoridades eclesiásticas e da cidade.
O edifício ocupado pelos jesuítas não era suficiente para as necessidades dos agostinhos. No que resta do seu cartório, regista-se assim, entre 1674 e 1737, a compra de várias casas de habitação, situadas na rua do Lobato e na de Santa Clara - decerto com o objectivo de, no seu lugar, se edificar uma nova construção. Respondendo a uma solicitação da ordem, D. João V chega mesmo a doar-lhe em 1717 uma parte da muralha, entre a porta de Alegrete e o postigo de Santa Clara, para no seu lugar ser construído o dormitório.
Pela leitura dos documentos, não consta que a igreja de Santa Maria a Grande tenha sofrido alterações arquitectónicas de monta até meados de setecentos. De facto, só em 1758 parece ter-se iniciado a edificação da nova igreja, a partir da estrutura medieval (conforme indica um trecho da "Memória Paroquial" da Sé (cf. Boroa, 1758 in Ventura, 1995: 120)), uma vez que no ano anterior ela ainda não existia.Terminada a obra, foram grandes as modificações. A capela-mor, com trono, ficou no lugar da anterior porta principal. A entrada do templo ficou lateral, dotada de um pórtico em mármore com moldura barroca, encimado por um janelão, que ainda existe. A portaria do convento, com arco abatido, passou para o lugar da antiga capela-mor. No interior, "os retábulos dos três altares [passaram a ser] de preciosos mármores com excelentes esculturas" (Tavares, [1934]: 918). Foi ainda construída uma torre sineira a poente, que nunca foi acabada, pois só há poucos anos foi rebocada e caiada.


Pórtico setecentista da igreja de Santa Maria a Grande (desenho conservado no Arquivo Distrital de Portalegre)
Infelizmente, grande parte desta riqueza desapareceu depois da extinção das ordens religiosas, em 1834. Expulsos os frades, no convento foram instalados vários serviços públicos, estando ocupado pela GNR desde 1911. Os retábulos da igreja foram vendidos, o seu recheio dispersou-se, a porta principal desapareceu e, ao seu lado, foi aberta uma nova entrada. O templo foi dividido em dois pisos, estando o rés-do-chão hoje ocupado pela oficina dos veículos da Guarda. Manteve-se até aos nossos dias apenas a estrutura, bem visível a sul do largo de Santo Agostinho, dentro da qual subsiste ainda o arco de mármore que dava entrada à capela-mor. Esperemos que no futuro o seu proprietário (a Câmara Municipal) lhe reserve melhores dias.

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