quinta-feira, 14 de junho de 2007

CASTELO DE VIDE EM 1758
(conclusão)


É tradição de que a Rainha Santa vendeu a el-rei Dom Dinis esta vila e de como nos tempos adiante el-rei Dom Fernando a trocou com a Ordem de Cristo por Castro Marim.
É esta vila assistida de todos os frutos em bastante abundância, assim de pão, vinho, azeite, castanha e dos mais, excepto de espinho. E a maior abundância é de centeio e milho miúdo. Tem muitos gados de lã e cabelo.
É excessiva no contrato de matar porcos gordos, que há ano que passa de sete mil porcos dos que nela se matam na fega e se chacinam e se vão vender à Corte.
Há nela o trato e fábrica de panos de cor, a saber: saragoças, verdes e azuis. Para estes tem quatro tintes em que se lhes dá a dita cor de verde. Terá setenta teares, em que se tecem os panos, que há ano que passam de seis mil panos que se fabricam.
É tão abundante de águas que se contam no termo desta vila mais de trezentas fontes de nome. E as principais são as seguintes: a fonte da Vila, que está dentro dela com quatro bicas; a fonte do Martinho, de cantaria bem elevada e com quatro bicas; a fonte de Pero Boi, com uma bica; a fonte Nova, com duas; a fonte dos Besteiros. E a fonte da Mealhada, muito celebrada, pois dizem que à sua água é experimentado remédio contra a dor nefrítica; está extramuros para a parte de Portalegre, coisa de um tiro de espingarda da muralha; é toda ela e o mais que lhe pertence e orna de pedra de cantaria, e no meio do frontispício tem as armas desta vila, scillicet castelo cercado com uma vide.
É cercada de duas ribeiras, a saber, a de São João, que tem nascimento no sítio do Cano e corre pela parte do reino, e a ribeira da Vide, que tem o nascimento no Prado e corre pela parte de Castela. E ambas próximas à vila. E nesta ribeira da Vide há dezassete azenhas de moer pão e corre pelo distrito da minha freguesia e a outra pelo distrito das outras duas freguesias. E se vão meter no rio de Sever. Este rio de Sever tem nascimento nos Olhos de Água, termo da vila de Marvão, e vem ao termo desta vila em espaço de meia légua, pouco mais ou menos. E é quem divide os reinos. É abundante de peixes, a saber: barbos e bogas e algumas trutas.
Esta vila tem juiz de fora e Câmara e também juiz dos órfãos, que não é letrado. E é próprio o ofício.
Tem feira franca de um dia em dez de Agosto e outra em quinze de Janeiro.
Não tem correio. Serve-se do de Portalegre por um estafeta que leva as cartas em quarta-feira e as vai buscar no sábado à dita cidade, que dista duas léguas.
Desta vila à cidade de Lisboa distam trinta e quatro léguas.
No castelo desta vila está uma torre muito forte de pedra, com seus quinais. E para a parte do Sul está meia caída e arruinada, o que lhe procedeu de mina que lhe deitaram os castelhanos nas guerras passadas.
Não padeceu esta vila ruína considerável no terramoto do ano de 1755, pois só caiu o capelo da torre do Espírito Santo em que estão os sinos; e ainda assim se acha. E à ermida da Senhora dos Remédios, que é de abóbada, também abriu nela e paredes; e assim se acha e se serve a gente dela. O convento de São Francisco, que é de abóbada, também abriu em partes, mas sem perigo, e já se acha reparado.
Tem uma serra que chamam de São Paulo, a qual dá princípio a casa ou ermida deste santo. É próxima a esta vila em menos distância que o de meio quarto de légua e fica defronte da vila para a parte do Poente, de forma que lhe tira a vista, por ser muito alta. Nela estão mais duas ermidas, uma de Nossa Senhora da Penha e a outra de São Miguel. E àquela vão deste povo todos os sábados muita gente com devoção. Nesta está um outeiro ou cabelo muito alto a que chama o “Outeiro do Facho”, por razão de que nas guerras passadas mostravam dali facho, quando vinha o inimigo. Não se cultiva a mais dela, por ser de terra maninha e de penhascos grandes. Corre para as partes de Castela e dizem alguns que continua esta serra até Madrid, mas não conserva o nome de Serra de São Paulo.
O rio de Sever, de que já falámos, vai-se meter no Tejo no termo da vila de Montalvão, conservando sempre o seu nome. É inavegável e usa-se dele livremente e tem alguns moinhos de moer pão.
Há uma ribeira, chamada a de Nisa, que corre pelo termo desta vila. Vem do de Portalegre e se mete no Tejo no termo de Nisa. E tem no termo desta vila uma ponte com três arcos, tudo de pedra e cal. E as nossas ribeiras de São João e da Vide, com os seus nomes, se vão meter no rio de Sever.
Há no termo desta vila três atalaias: uma no caminho da Escusa ou de Marvão e tem o nome de Atalaia da Escusa; outra chamada a do Picoto e outra chamada a do Pereiro, que estão para as partes de Castela e servem para vigiar no tempo da guerra.
Tem dois moinhos de vento, que se formaram há poucos anos, e não moem de presente, por serem neste país rijos os ventos.
Na serra de São Paulo há dois montes, um chamado o Monte da Casada e o outro o do Andreu.
É o que posso informar desta vila e desta freguesia de Santa Maria, matriz.
Em Castelo de Vide, 18 de Maio de 1758.
O vigário de Santa Maria, João Aires Baptista

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