quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A vida de Jesus Cristo

Versão de Carreiras (Portalegre), recolhida por Augusto Relvas em 1949. Recitada por Maria Lopes, avó do colector (Relvas, 1992). Transcrição revista por Rui Pedro Ventura.



Martírios do Senhor



Nasceu Cristo em Belém.
Ali se viu a Virgem magoada,
Sozinha.
Jesus Cristo tinha.
Com São José se via.
Logo ali lhe acudia
Um preto e uma cigana
A Jesus, neto de Ana,
Visitar.
Deu o Céu em abaixar,
Dando a casa resplendores,
Onde vieram os três pastores
A trazer,
A Jesus Cristo oferecer
Suas fazendas e bens,
Onde vieram os Santos Reis
Também para o adorar.
O Céu, a Terra e o Mar,
Tudo ali ajoelhou
E a Virgem sempre ficou
Pura.
Já temos a salvação segura
Só com este nascimento
E o Augusto Sacramento
Aqui é que principia.
É o Filho de Maria
Que já hoje foi nascido,
Já hoje foi concebido
Por obra e graça
Do Divino Espírito Santo,
Que nele o seu divino poder tanto,
Que é Senhor do mundo inteiro,
Por Deus e homem verdadeiro
Se aclama.
É a fé que se derrama
Por toda a Palestina,
Que é uma fonte de doutrina
Cristã.
É aquela manhã
Que [a]o mundo deu claridade.
É o Sol da Divindade
Que apareceu.
É o maná que choveu
Lá no deserto de Cima.
É a hóstia divina,
Consagrada.
É de Jacob a escada
Por onde o anjo desceu.
Agora é que o mundo se ergueu
De pecar.
Aquele é que foi palpitar
Nas margens do Jordão,
Que lhe pôs seu primo João
“Jesus de Nazaré”.
Jesus de Nazaré,
Salvação, graça e fé,
Disso está o mundo cheio.
Está servindo de recreio
Às almas puras.
Para se cumprir as Escrituras
Se obrigou Cristo a padecer.
E agora é que vamos ver
Os tormentos que o Senhor passou,
As gentes que sustentou.
Com cinco pães e dois peixes
Se fartaram cinco mil pessoas
E ainda sobejou comida.
É bem que o autor da Vida
Fabrique destes banquetes.
Deram-se doze ramalhetes
Ao lava-pés.
Os mandamentos são dez,
Que são os dez cordeiros.
Judas por trinta dinheiros
Vendeu o seu Redentor,
Sendo-Lhe um falso e traidor.
Usou-lhe dessa traição,
Levou seu Mestre à prisão
Por um ósculo de paz.
Junto a casa de Anás
Vai o Senhor conduzido
Entre algozes metido.
Vai preso
Com um ódio tão aceso,
Que lhes terriquem os dentes.
Nem amigos nem parentes!
E consentistes!
Oh mundo, ainda não vistes
Outro como este padecer.
Ouvireis o sangue a correr,
Soando.
É o maldito povo gritando
“Crucifica! Crucifica!”
E é o ódio que implica
Na maldade
E o Senhor com piedade
Tudo isto aguentou,
Todo porque tentou
Deixar o mundo em paz.
Lá em casa de Caifás,
Onde Pedro se negou,
O Senhor disse: “Eu é que sou
O Filho do Padre Eterno,
Que do Inferno
Hei-de tirar as almas.”
O ministro bate as palmas,
Dá um grito violento.
“Faz das pedras sustento,
Se podes!
Lá irás para o rei Herodes.
Lá terás morte de cruz.”
Lá verás, meu bom Jesus,
De Herodes para Pilatos.
Leram seus lindos actos,
Nunca o acharam criminoso.
E o maldito povo raivoso
Sempre gritando que morra.
Morreu Cristo em Jerusalém
Sem cometer nenhuns delitos.
Eram tantos os gritos
Que entoam
E muito longe soam.
Na rua da amargura
Apareceu a Virgem Pura
Chorando,
Que ia procurando
Pelo seu Filho adorado,
Que naquele estado
O via
Feito vale de agonia,
Tal outro não podia haver.
E o Senhor, sem poder,
Caiu com a cruz no chão.
Disse Cristo para Simão:
“Ajuda-me, Simão,
A esta cruz tão pesada!”
E caiu de joelhos na calçada.
Simão foi com a cruz ao Calvário
Onde o Senhor foi crucificado
À força de violência.
Deixou Cristo com paciência
Cravar Seus divinos pés e mãos.
Talvez seus passos vãos
Lhes causassem pensamentos,
Lhes causassem tormentos,
Lhes causassem os espinhos
Para a cabeça
E para que o mundo conheça
O mar em que eu navego.
Um caso se achou. Um cego
Com uma lança,
Que é cego e não alcança,
Só pelo tacto é que feriu.
Logo daquele peito saiu
O sangue da divindade.
Deixou Cristo à Cristandade
Suas chagas em aberto.
Vieram soldados por duas vezes
Com martelos e torquezas
Para Cristo despregar,
Para o irem sepultar
Numa sepultura nova.
Ali foi o Senhor descido à cova,
Onde o Sol perdeu a luz,
Onde o Sol se encerrou.
Só a Mãe de Jesus chorou.
O evangelista João
Chorava que esmorecia.
Onde vieram as três Marias
Numa noite nebulosa e escura
Buscar Cristo à sepultura.
Respondeu um serafim:
“Jesus não está aí.
Ressuscitou.
Foi triunfante para o Céu,
Para a companhia do seu Divino Pai,
Da Senhora com o seu manto,
Do Divino Espírito Santo,
Da Estrela Matutina,
Da Santíssima Trindade.”
Ámen.

Virgem Maria no Calvário
(Casa-Museu José Régio, em Portalegre)

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