quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

UM COMÉRCIO MORIBUNDO

Moro a trinta quilómetros de Lisboa. Nas minhas (poucas) passagens pelos centros comerciais que nascem como tortulhos em redor da capital portuguesa, é frequente encontrar portalegrenses em passeio de compras, entrando e saindo das lojas que povoam esses espaços de transacção. Acontece verificar o mesmo sempre que me desloco às cidades espanholas da Extremadura. Com razão ou sem ela, todo e qualquer lagóia que se preze e tenha dinheiro no bolso (ou pense tê-lo) parece preferir sair da sua cidade e região para gastar o ordenado que por lá ganhou. Podem trazer para o seu dia-a-dia os mesmos artigos que mais facilmente comprariam nas ruas de Portalegre, mas comprar fora tem outro estatuto, alimenta os comentários no emprego e as conversas na pastelaria.
Pensando a partir desta constatação, comecei a entender o que levou ao ar acabrunhado das ruas de comércio existentes na cidade onde nasci mas não fui criado. Quem se disponha a dar um passeio desde o início da rua de Santo André até ao Corro – subindo a rua Direita, passando pelo arco da Devesa e ascendendo pela rua do Comércio com passagem pela da Carreira e entrada na praça pelas portas de Alegrete – depara-se com um cenário entristecedor e deprimente. Lojas (até há poucos anos florescentes) estão fechadas e, a seu lado, outras ostentam o anúncio de trespasse – declaração verbal de estado comatoso que ombreia com idêntica afirmação não-verbal daqueles espaços comerciais onde os empregados ou os proprietários têm um olhar vazio, ou virado para o vazio, perante a ausência dos clientes. Há comerciantes que lutam pela modernização das suas casas, mas nada parece dar resultado. Outros desistem ou persistem na preguiça, deixando os estabelecimentos no exacto estado em que estavam há trinta-quarenta-cinquenta anos.
Vejam-se os cafés… Neste momento poucos conseguem beber uma bica e ler o jornal no Rossio – onde antes coexistiam o Facha, o Plátano e a Cadislegre; aí pouco mais salta à vista do que as lojas de quinquilharia chinesa. O Central já teve melhores dias. O Alentejano lá vai sobrevivendo com vetusta dignidade (até quando?). Tente o leitor, que não conheça bem Portalegre, beber um café na cidade velha na tarde dum domingo soalheiro… Acabará por desistir e rumar até Castelo de Vide, onde menos habitantes dão mais vida a uma vila com coluna vertebral. E a praça? A praça, apesar de todos os arranjos cuidadosos, tem quartas e sábados que são uma mísera sombra do movimento comercial de há poucos anos…
Ao lado do mamarracho mastodôntico que ofende a discrição abnegada dos doadores de sangue de Portalegre, o quadro humano no interior dos hipermercados (quatro? cinco? seis?...) é mais povoado. A irresponsabilidade (ou os interesses) das várias gestões autárquicas dos últimos anos não hesitou sangrar os comerciantes cujas pequenas empresas davam vida à cidade alta. Essa estratégia está a custar e custará muito caro a Portalegre e aos seus moradores. Porque uma cidade a que não estancam uma hemorragia grave acaba por definhar (ou morrer) enquanto espaço económico e cívico vivo.

1 comentário:

João Picado disse...

É triste, de facto, ver que todos estes apontamentos representam uma verdade quase cruel.

Como portalegrense de gema aceito, ainda que a custo, todas estas realidades. Talvez por vergonha o faça.

Responsabilidades? Todos têm de as assumir. A autarquia por nada fazer (ou se faz não mostra); os proprietários dos imóves, porque não se coíbem de tentar enriquecer de uma só vez; as dificuldades colocadas para quem tem espírito de iniciativa; a inércia de alguns comerciante que, com diz muito bem, desistem ou persistem na preguiça.

Saúde-se algumas iniciativas, autênticas pedradas no charco de uma realidade tristemente constrangedora...

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